FAZENDA SANTA TEREZA

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

AS ORQUÍDEAS DA SANTA TEREZA

Outro dia, uma conhecida da minha mulher, ao encontrá-la foi logo dizendo:
                         - Seu marido foi o “bendito fruto entre as mulheres”; não preciso dizer que este assunto rendeu... Para que os leitores possam entender o significado desta frase tão provocante (se existisse mais gente por perto e, dependendo da entonação da voz, não sei quais seriam as consequências...), vou contar toda a historia:
                               Os jardins da Santa Tereza estavam ressentindo da presença de orquídeas entre as suas flores; lembro-me do meu pranteado amigo, o neurologista Dr. Orlando Arruda comentar sobre seu orquidário com tamanho entusiasmo que era impossível ficar impassível ao ouvir suas narrativas. Sempre pensei em visitá-lo, porém, nunca surgiu à oportunidade, lamento!
                               Há alguns meses resolvi construir um pequeno orquidário aqui na Santa Tereza; discuti com o Baiano (meu “faz de tudo”), arranjamos os esteios, caibros, ripas (comprei-os em uma madeireira localizada em nossas imediações); definimos que o lugar deveria ser arejado, porém, protegido contra os ventos; deveria ser exposto ao sol, porém, somente pela manhã e não muito intenso.
                              Alguns dos meus leitores, provavelmente, identificarão o local escolhido: próximo ao final e à direita da estradinha da entrada da Santa Tereza, bem em frente a um arranjo de três vasos de begônias (no momento estão floridas!), quase que entrando no meio do arvoredo do jardim; outro detalhe, de longe, ao iniciar a curva da estrada que dá acesso à nossa casa, já se consegue vê-lo e receber calorosa saudação de uma bela mulher estilizada, postada em uma pequena janela, rodeada de flores (comprei-a no mesmo lugar onde José Mendonça Teles adquiriu a dele e colocou-a na janela do seu Instituto de Cultura localizado à Rua 24, nr. 88, centro).
                              Como entendemos que não deveria haver cobertura, colocamos uma tela de nylon por cima dos caibros para evitar que as folhas das arvores caíssem sobre as flores e, principalmente não sujasse o piso que, aliás, foi “assoalhado” com britas; as laterais ficaram abertas.
                               Para enfeitar e também proteger as futuras habitantes da “casa” contra a excessiva presença de raios luminosos do sol poente que, antes de se esconder por detrás da “Casa amarela dos livros”, envia seus últimos tentáculos com a intenção de retardar a chegada da obscuridade, dispusemos um trançado de ripas nas suas laterais. Ficou bonito e atendeu nosso interesse de não proibir as orquídeas de receberem o sorriso do sol, apenas ajudei-as a ser comedidas o suficiente para não se exporem em demasia e não poderem aproveitar (por danos irremediáveis), no ciclo diário da vida, do frescor da noite.
                                               Na verdade, preciso retificar, em parte, o que disse acima: nos jardins da Santa Tereza já havia orquídeas, porém, estavam dispersas, grudadas em arvores, escondidas, tímidas, sem poderem mostrar a soberania das suas presenças; aproveitei a maioria delas e trouxe-as para sua nova casa.
                               No começo deste ano, quando estive na Fazenda do Dr. Iris Rezende, no Xingu, ele me presenteou com um arranjo (várias orquídeas enroscadas em um toco de madeira), coloquei-o no orquidário; com a chegada da primavera começaram a florir, na companhia de algumas outras; embora não seja um “expert” no assunto, me parece ser da espécie “cattleya labiata”, porém, nominei-a “orquídea Xingu” em homenagem ao meu amigo Dr. Iris.
                Sempre que posso, procuro aumentar minha coleção de livros e revistas sobre jardins; recentemente adquiri, em um “sebo” de Londres, com o auxilio da internet, um livro muito interessante, escrito pela senhora C.W. Earle e publicado em 1897 - “Surrey Garden; The classic diary of a Victorian lady – Diário de uma senhora jardineira de Surrey, da época da rainha Vitoria”; acho que vou aproveitar alguns ensinamentos desta senhora, principalmente esta sua frase lapidar “Fazer um jardim, pela graça de Deus, é uma das poucas coisas em que a perfeição nunca é alcançada; a palavra perfeição está muito longe, perto do infinito”.
                Embora tenha feito com carinho esta nova morada das orquídeas, sei que terei que corrigir alguns defeitos, por isto estava frequentando um curso sobre orquídeas e lá encontrei aquela amiga da minha mulher a que me referi no inicio do texto. Está explicado?



UM SONHO QUE A REALIDADE NÃO CONFIRMOU

             

                            
                               Semana passada, atendendo convocação da Maçonaria Brasileira estive, mais uma vez, em Brasília para participar da reunião do Conselho Federal do Grande Oriente do Brasil.
                   Normalmente hospedo-me em um Hotel localizado em local estratégico para minhas movimentações em torno do objetivo que me leva, a cada dois meses, à nossa capital Federal; desta vez, por descuido não fiz a necessária reserva e fiquei com poucas opções de escolha. Hospedei-me no Hotel Nacional.
                   Ao adentrar o hall do Hotel, senti uma estranha sensação  de “ Déjà vi” ao me dar conta de que a ultima vez que ali estive hospedado foi no final do ano de 1963, portanto há 50 anos .  Por que esta data aparece com tanto simbolismo? Para explicar a certeza desta afirmativa, recorro-me ao livro que publiquei em 2001 “Entre o Sonho do Brasil dos anos  60 e a Realidade da Rússia dos anos  90, Ed. Kelps”.
                   Antes de subir para o apartamento, dei uma volta pelo ambiente que domina o hall do Hotel; parece que pouca coisa mudara, segundo me lembro; observei as poltronas situadas nas imediações do balcão de recepção, parece que “vi”, confabulando em grupos separados, vários deputados e senadores (o Hotel era, naquela época, residência oficial dos parlamentares) , caminhei para a esquerda e avistei a piscina, que mantinha o  mesmo formato, rodeada por grande quantidade de mesas e cadeiras, “sentei-me” a uma das cadeiras e pedi um copo de chope.
                   Dentre tantos acontecimentos da minha vida de estudante universitário em Curitiba, quando exercia atividade política estudantil de vanguarda na esquerda daquela época, muitos deles narrados no meu livro citado acima, farei um resumo do capítulo (Curitiba, 1963-1964, Mudaríamos o Regime) que trata destas lembranças a que estou me referindo.
“O ambiente político no meio estudantil de Curitiba, como de resto em todo o Brasil, estava carregado de emoções naquele final do ano de 1963; Na qualidade de Presidente da Casa do Estudante Universitário, viajei, sob o patrocínio do Ministério da Educação, por intermediação do Embaixador Paschoal Carlos Magno,  para Brasília no final de 1963 com o propósito de conseguir ajuda financeira para nossa Instituição junto ao Governo Federal.
Hospedei-me, às expensas do Embaixador Carlos Magno, no Hotel Nacional e durante quase uma semana,  circulei pelos corredores do Congresso Nacional e pelas salas e gabinetes do Ministério da Educação e Cultura.
À noite, quase que invariavelmente, reuníamo-nos no apartamento do embaixador, juntamente com outros estudantes, de outros Estados, que estavam ali quase sempre pelas mesmas razões que as nossas e ficávamos "batendo papo", discutindo sobre a atualidade política, sobre os rumos que tomaríamos, caso as ideias de João Goulart fossem, realmente implementadas, sonhávamos com o futuro, procurando pontos de contato entre a nossa ideologia, o nosso desejo de mudanças, com o ideário político dos nossos dirigentes.
Gostávamos de ouvir o Embaixador falar sobre Brecht, contrapondo seu pensamento positivista, com algumas características, segundo ele, negativistas, do famoso dramaturgo e poeta alemão.
- A arte, dizia ele, levantando-se de onde estava - embora deva refletir a vida do povo, não pode ser e não é, uma corrente homogênea, como queria Brecht. Não creio que a arte só será arte, se ela se aproximar do marxismo. Embora a arte e a cultura devam estar sempre ao alcance do povo, não acho que este deva ser monitorado nas suas expressões por ideias preconcebidas.
Parece que ainda ouço o Embaixador dizer, movimentando o seu grande  corpanzil pelo quarto, com gestos teatrais e voz empolgada:
- Não deixem de lutar pela liberdade, o maior bem do homem. O homem é um animal social, como disse Aristóteles, há muitos séculos. O interesse coletivo não pode, em hipótese alguma, sobrepujar ao particular; se isto acontecer, declina-se do direito à liberdade em favor do paternalismo; por outro lado, se o individualismo impera, sem dar importância às necessidades sociais, o resultado será a anarquia. Em ambos casos, a consequência é a perda da liberdade. A liberdade trágica é preferível à felicidade compulsória, já dizia o imortal Dostoievsky. Um dia encontraremos o ponto exato!

. Eu sabia que precisava me aprofundar um pouco mais naqueles meandros culturais, se quisesse, realmente me colocar em uma posição de vanguarda para os novos tempos que, a nosso ver, estavam sendo desenhados no nosso futuro.
Foi em uma destas noitadas, que o embaixador, de uma maneira extremamente didática, explicou-nos a conotação, não só política, mas principalmente artística, segundo ele, do "Encouraçado Potemkin", filme do russo Ilya Ehrenburg, que toda a juventude daquela época, engajada nos movimentos de esquerda, assistiu, discutiu e procurou entender.
Embora a mordomia que desfrutávamos ali em Brasília fosse além das nossas expectativas (nunca havia, pelo menos sonhado, em hospedar-me em um hotel com o luxo do Nacional ), já estava cansado daquela rotina diária.
Na sexta-feira, o embaixador, assim como quase todos os deputados, senadores e funcionários do governo que se hospedavam no Hotel (naquela época o Hotel Nacional era praticamente a morada oficial deste pessoal), viajaram para seus Estados de origem. No domingo voltei parta Curitiba.”
O que aconteceu a seguir é outra história!.